sexta-feira, 8 de abril de 2011

Crônica

Antigamente de Fernanda Pinho
Por que antigamente tudo era muito mais fácil, mais bonito e mais doce? Porque antigamente é uma ilusão. Cada um cria o antigamente que quiser. Na cabeça de cada pessoa, o antigamente é um lugar diferente no tempo. Cada um escolhe o que quer chamar de antigamente e acontece de sempre escolhermos as partes boas, como quem diz para o presente: "Tá vendo? Você devia ser assim. Fácil, bonito e doce. Como antigamente".

O meu antigamente tem gosto de groselha. Coisa, aliás, que eu não suporto hoje em dia. Mas antigamente não existia para mim nada mais saboroso que aquele liquido bonina engarrafado em recipiente com rótulo da Pantera Cor de Rosa. Pois é, no meu antigamente a gente usava falar "bonina" e costumava, inclusive, ser minha cor preferida (sim, bonina é uma cor. Se você não for de Minas provavelmente não conheceu essa palavra em época nenhuma da sua vida).

Se a cor era bonina e o sabor era groselha, o cheiro era do álcool que vinha impregnado nas folhas mimeografadas que as professoras distribuíam nas salas de aula. As lembranças do colégio são boa parte do meu antigamente, tempo em que existia extensas listas de materiais escolares pedindo, entre outras coisas, papel hectográfico (para mimeógrafo) e pasta Brasil (ainda se usa pasta Brasil?).

No meu antigamente era mais fácil comprar. Com um real dava para comprar o lanche no recreio e ainda sobrava troco pra comprar bala Chita e Ice Kiss e jogar de grila para os amigos. Jogar de grila era luxo de antigamente. Nunca mais vi ninguém jogando coisas de grila. E se não desse para comprar, ainda era possível trocar. Nem sou tão velha assim, mas no meu antigamente existia escambo. Trocava-se garrafas vazias por pintinhos. Era uma diversão, até os pintinhos virarem galinhas e perderem o encanto.

No meu antigamente a gente rebobinava fita antes de devolver pra locadora; chamava Milkbar de Lollo; fazia amigo oculto de agendas da Pakalolo; esperava tocar no rádio nossa música preferida pra gravar em fita K7; Malhação se passava numa academia; na MTV passava clipe o dia todo; toda e qualquer pasta de dente era chamada de Kolynos (sendo que no antigamente do meu pai o certo era dizer dentifrício); e Havaianas era chinelo de pobre.

No meu antigamente sofrer por amor significava não ser correspondida pelo professor de Geografia, que tinha um Fusca vermelho. Ter muito trabalho para fazer significava passar a tarde tentando montar um QVL (Quadro Valor de Lugar, lembram?) com um pedaço de feltro verde e palitos de picolé. Ter problemas financeiros significava não conseguir juntar dinheiro pra comprar todos os pôsteres do Leonardo DiCaprio. Tudo muito mais fácil, mais bonito e mais doce. Bom o bastante para deixar saudades. Mas não o suficiente para ser melhor que hoje que, por ser o antigamente de amanhã, não deixa de ser fácil, bonito e doce.